Brasil precisa zerar o desmatamento para cumprir compromissos sobre emissão de CO2

Crédito foto: Pixabay

Especialista diz que crime ambiental está na origem de graves problemas nacionais, como a crise hídrica e climática, citando calor generalizado e seca no país

Zerar o desmatamento até 2030, conforme se comprometeu o Brasil, pode não apenas tirar o país da lista dos maiores emissores do mundo, mas transformá-lo em removedor global de CO2, afirma o climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e co-presidente do Painel Científico para a Amazônia. Autoridades e especialistas dizem que a meta é viável e abre caminho para novos negócios em créditos de carbono e bioeconomia.

— É inadmissível que ainda exista desmatamento ilegal, e mesmo o legal pode ser evitado com políticas públicas, incentivos. Podemos transformar um grande problema numa enorme oportunidade. Mas, se não fizermos isso, sofreremos ainda mais com a crise do clima, pois a Amazônia está muito perto do ponto de não retorno. O Cerrado também já atravessa graves transformações com mais seca e calor — destaca Nobre.

Reiterado pelo presidente Lula, o compromisso de zerar o desmatamento ilegal em todos os biomas até 2030 é parte da Meta 15 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável assumidos pelo Brasil. Mas os especialistas enfatizam a necessidade e a viabilidade de zerar todo tipo de desmatamento, seja legal ou ilegal.

— É possível e preciso acabar com o desmatamento, e ponto final. Ele está na origem de graves problemas nacionais, como a crise hídrica e climática. O fim da garoa em São Paulo, o calor generalizado, a seca, tudo tem relação com o desmatamento — frisa Tasso Azevedo, coordenador do consórcio de análise do uso do solo MapBiomas e idealizador do Fundo Amazônia e do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima.

Compromisso

O desmatamento zero é também uma forma de cumprir a atual contribuição nacionalmente determinada (NDC, na sigla em inglês) brasileira, que traz o compromisso de alcançar a emissão zero de gases-estufa em 2050. Uma nova NDC, ainda mais ambiciosa, deve ser apresentada pelo governo brasileiro antes da COP29, em Baku, no mês que vem.

— Estamos no caminho de zerar o desmatamento. Na Amazônia, no ano passado, tivemos uma redução de 50%, e nos primeiros oito meses de 2024 de 45% sobre a diminuição de 2023. Também tivemos redução na Mata Atlântica. No Cerrado, houve queda este ano pelo quinto mês seguido — afirma a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva.

A ministra reconhece que as queimadas deste ano têm impacto nas emissões de CO2, mas diz que não impedirão o país de cumprir seus compromissos. Porém, a escalada preocupa especialistas.

Dados do Global Forest Watch (GFW) mostram que os grandes incêndios florestais fizeram o Canadá saltar em 2023 para o primeiro lugar entre os países do G20 com maior perda de cobertura vegetal.

Os países do bloco foram responsáveis por 68% (19,3 milhões de hectares) da perda de cobertura arbórea no mundo em 2023. Canadá, Rússia, Brasil, Indonésia e EUA ficaram no topo do ranking, sendo que nos dois primeiros, os incêndios foram a principal causa.

A ministra Marina Silva salienta que cortar o desmatamento dará uma espécie de “colchão temporal” para os demais setores.

— Zerar o desmatamento é a forma mais fácil de reduzir as emissões, mais do que mudar a base produtiva de indústria, transporte e energia. Como a maior parte de nossas emissões vem do desmatamento, da transformação do uso da terra, o Brasil pode alcançar uma redução significativa e dar mais tempo para que os outros setores se adaptem. Mas, quando chegarmos ao desmatamento zero, todo mundo terá que fazer seu dever de casa.

Ponto de não retorno

De acordo com os dados do SEEG, zerar o desmatamento levaria a uma diminuição de 43% das emissões líquidas previstas no país em 2030. O Brasil é o único entre os grandes emissores (está em sétimo no ranking do Climate Watch) que tem o desmatamento entre as principais fontes de emissão. Segundo o SEEG, cerca da metade das emissões do país provém de desmate.

— Zerar o desmatamento é totalmente possível e extremamente necessário. E o Brasil sabe como fazer— reitera Paulo Moutinho, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e especialista na investigação de causas e consequências do desmatamento.

Moutinho ressalva que é preciso considerar não apenas o ilegal, mas também o legal. Ele diz que na Amazônia há 11 milhões de hectares de excedentes de reserva legal, que poderiam ser derrubados. No entanto, se isso ocorrer, a Amazônia poderá chegar a um ponto de não retorno, num processo de savanização.

— Não é necessário mudar a lei para evitar que isso ocorra. O proprietário de terra pode ser compensado por não desmatar. Temos uma experiência bem-sucedida que protege 30 mil hectares de excedentes legais com fundos públicos da Noruega e da Holanda. Compensar é muito mais barato do que recuperar — ressalta o cientista.

Moutinho e Tasso Azevedo sublinham que os danos do desmatamento vão muito além das emissões. Há, por exemplo, perda hídrica. Segundo Moutinho, 40% dos 1.090 municípios do Cerrado tiveram redução da superfície de água entre 1983 e 2023. Em 10% desses municípios, a diminuição chegou a 70%. Na Amazônia, a perda chega a 25%.

— O desmatamento zero tem a ver com as nossas necessidades. Não estou dizendo que é uma meta fácil. Mas é viável. O ilegal sabemos muito bem como combater. Já o legal é um direito legítimo e não pode ser tratado da mesma forma — diz Azevedo.

Ele cita quatro instrumentos que podem ser usados para evitar o desmatamento legal. O primeiro é a regulação, vincular a autorização de desmate à restauração ou à manutenção de outra área. Outro é a criação de mais unidades de conservação, transferindo para o poder público os custos de manutenção. Um terceiro instrumento é retirar qualquer tipo de subsídio ou incentivo para áreas desmatadas. Por fim, um quarto mecanismo para manter a floresta de pé é a criação de compensações como o programa Bolsa Verde, que hoje beneficia 40 mil famílias.

Ex-presidente do Ibama e coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo vê ainda outro desafio.

— A maior parte do desmatamento na Amazônia é ilegal, uma questão de monitoramento e fiscalização. Mas, no Cerrado e em outros biomas, ele ocorre muitas vezes com licenças concedidas pelos estados. Há estados que dão essas licenças burocraticamente, sem avaliar se a área tem aquíferos. É necessária uma articulação maior entre os governos federal e estaduais — diz ela.

Mariana Oliveira, gerente do Programa de Florestas, Uso da Terra e Agricultura do WRI Brasil, diz que o país tem políticas sofisticadas de controle de desmatamento, que funcionam muito bem na Amazônia. Para ela, assim como para a maioria dos especialistas, há um grande desafio que é deter a derrubada do Cerrado e dos remanescentes da Mata Atlântica e demais biomas.

Fonte: Ana Lucia Azevedo, portal O Globo.

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