Negócio de R$ 1 bilhão tem o potencial de restaurar confiança no mercado voluntário – mas ainda há dúvidas importantes sobre a divisão dos recursos e o impacto para os privados
O acordo fechado pelo Pará para vender até 12 milhões de créditos de carbono, um negócio de mais de R$ 1 bilhão pelo câmbio atual, é a maior transação já registrada no mercado voluntário brasileiro.
O preço de US$ 15 por crédito – cada um corresponde a uma tonelada de CO2 que deixou de ser lançada na atmosfera – também supera e muito os cerca de US$ 5 obtidos pelos desenvolvedores brasileiros hoje em dia, quando se trata de preservação da floresta (e não reflorestamento).
Mas um dado ainda mais relevante talvez seja o tipo de crédito em questão. Ele é conhecido como jurisdicional, pois a contabilidade do carbono leva em conta a área inteira de uma jurisdição – o Estado do Pará, neste caso, e não uma propriedade ou território apenas.
O modelo existe há muitos anos, mas tem ganhado relevância mais recentemente. Um dos grandes incentivadores desse movimento é justamente a Coalizão Leaf, que fechou o acordo com o Estado.
Além do negócio com os paraenses, a aliança público-privada está em negociações com o Acre e tem contratos similares com Gana e Costa Rica.
Os participantes da Leaf incluem empresas globais como Amazon, Bayer, Volskwagen e Delta e os governos nacionais de Estados Unidos, Noruega e Reino Unido. O objetivo da aliança é avaliar – e negociar – créditos em conjunto. A Leaf compra apenas créditos jurisdicionais.
Na teoria, os sistemas jurisdicionais oferecem aos compradores mais segurança contra potenciais superfaturamentos ou fraudes, pois a linha de base que determina o total de créditos emitidos engloba toda a jurisdição.
A emissão exagerada de créditos em certos projetos privados, por causa de linhas de base irreais, é uma das principais razões para a desconfiança generalizada que derrubou o mercado nos últimos dois anos.
Essa crise é particularmente sentida nos créditos REDD+, que são baseados na preservação de florestas e são, de longe, os mais comuns no Brasil.
A expectativa é que o sistema jurisdicional ajude a recuperar a credibilidade nesse mecanismo crucial do financiamento climático.
Ainda assim, existem incertezas.
Alguns falam em “estatização” dos créditos de carbono, uma forma exagerada de dizer que na prática está se desenhando uma competição entre as empresas privadas e os Estados – os vizinhos do Pará também preparam seus sistemas jurisdicionais.
Outros questionam o destino do dinheiro. Por contrato, os recursos obtidos com a venda dos créditos devem ser usados majoritariamente na proteção da floresta, incluindo repasses a indígenas, quilombolas e populações tradicionais.
“Que garantias existem de que isso de fato vá acontecer?”, disse uma pessoa de uma companhia desenvolvedora ouvida pelo Reset. “Esses recursos vão chegar até a ponta mesmo ou vão ficar com intermediários pelo caminho?”
Esse diagnóstico pessimista não é compartilhado por todos.
“Temos que ter uma cesta de financiamento, ou não vamos dar conta [de proteger a Amazônia]”, diz Plínio Ribeiro, presidente da Biofílica Ambipar e um dos veteranos do mercado de carbono nacional.
“Qualquer iniciativa para trazer recursos para a conservação é uma vitória. O Pará mandou bem.”
O mundo olha para o Pará
A notícia do acordo do Pará com a Coalizão Leaf foi comunicada com pompa pelo governador paraense, Helber Barbalho, num evento realizado em Nova York, durante a Semana do Clima.
A pouco mais de um ano da realização da COP30 em Belém, o anúncio foi uma tentativa de sinalizar ao mundo que o Estado está comprometido com o combate à mudança do clima.
“Nós somos a bola da vez. Todo mundo quer olhar para a Amazônia e para o Estado que é sede da COP30”, afirmou Barbalho em entrevista a O Liberal, do Pará.
O contrato anunciado envolve a garantia de compra de 5 milhões de unidades por Amazon, Bayer, H&M e Fundação Walmart, entre outros integrantes da Coalizão Leaf. Os outros 7 milhões ainda não têm compradores definidos.
Os créditos ainda não existem. Eles serão gerados conforme se comprovem reduções no desmatamento entre 2023 até 2026, numa comparação com os cinco anos anteriores.
A parte técnica da certificação dos 12 milhões de toneladas pré-vendidas não deve ser um problema. De julho de 2023 a agosto deste ano, os alertas de desmatamento no Estado caíram 42%. A expectativa é que o Pará, que corresponde a quase um quarto da Amazônia brasileira, tenha centenas de milhões de toneladas de carbono comercializáveis até 2030.
Dividindo o bolo
Ainda há dois pontos importantes por definir. Um deles, condicionante do contrato, é a chamada “repartição de benefícios”. Os recursos têm de ser usados obrigatoriamente em atividades de conservação, o que inclui repasses às populações locais que fazem parte crucial desse trabalho. Sem essas garantias, o acordo pode ser anulado.
Fonte: Sérgio Teixeira Jr., Portal Uol