Um projeto pioneiro, desenvolvido na Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), está transformando o cultivo do mamão. Resultado do pós-doutorado das pesquisadoras Fernanda Arêdes e Marcela Boechat, o estudo surgiu para resolver a demanda dos produtores da fruta quanto à identificação sexual das plantas que, até então, só era possível meses após o plantio das mudas.
O mamoeiro é uma planta com cromossomos sexuais, cujo valor comercial está na planta hermafrodita. No método tradicional de cultivo é necessário plantar de quatro a seis mudas por cova para obter pelo menos uma hermafrodita.
“Um grande problema na cultura do mamoeiro era a determinação do sexo (sexagem) de forma tardia, o que obriga o plantio de várias mudas em uma mesma cova. Somente na época da florada, que ocorre no quarto mês de desenvolvimento da planta, é possível saber qual é a hermafrodita e assim arrancar as demais”, destaca Fernanda.
A partir das pesquisas, iniciadas em 2018, foi criada uma startup focada na aplicação da biotecnologia no mamoeiro. Na prática, isso significa a capacidade de fazer a sexagem precoce das mudas ainda no viveiro. “Desenvolvemos uma tecnologia rápida e precisa que determina o sexo das mudas de mamão ainda no viveiro e em apenas duas horas”, conta Fernanda.
O professor titular da Uenf e supervisor do projeto, Messias Gonzaga Pereira, explica que as vantagens são inúmeras.
“Começa pela economia. Em vez de cuidar de quatro ou cinco plantas durante quatro meses, o produtor só vai cuidar de uma por cova. Isso significa a economia de adubo, da água para irrigação e dos defensivos. Além disso, a produção começa entre 40 e 60 dias mais cedo e produz, em média, 30% a mais que no método tradicional”, salienta Messias.
Para a novidade sair do laboratório e chegar até o campo, a startup firmou parceria com um viveiro de mudas de mamão de Pinheiros, no Norte do Espírito Santo, maior produtor da fruta no Estado. No final de 2022, Cícero Alvino Covre Zanoni, engenheiro agrônomo e viveirista, fez, inicialmente, uma área de teste e não parou mais.
“No início da parceria foram necessários vários ajustes para nos adequarmos ao formato de trabalho que a sexagem molecular exige. Investimos no aprimoramento dos nossos colaboradores, tempo e recursos financeiros. Hoje, a todo instante tem produtor que acompanha os resultados querendo saber mais detalhes sobre a tecnologia”, salienta Cícero.
Com as mudas prontas, o viveirista coleta um pequeno disco foliar de cada plantinha e manda para o laboratório, que fica em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, onde são feitas as análises. Com o resultado em mãos é feita a separação das mudas.
No Estado, além de Pinheiros, produtores de Boa Esperança, Montanha, Jaguaré, Linhares, Vila Pavão, Vila Valério e Pedro Canário já aderiram à tecnologia. O viveirista também atende a produtores da Bahia e Minas Gerais.
Produtores testam tecnologia no campo
Segundo Messias Gonzaga Pereira, no Espírito Santo existem cerca de 300 hectares de lavouras que aderiram ao uso da tecnologia. Produtor de mamão há duas décadas, Vinicius Heringer Borges Freire, da Fazenda Triunfo, em Pinheiros, foi um dos primeiros da região a testar a novidade.
Há um ano Vinícius plantou sete mil mudas sexadas e atualmente já são 22 mil plantas, o que representa 50% de sua lavoura. “Minha experiência com a tecnologia está sendo satisfatória. Vejo como vantagens a precocidade de produção, estrutura de planta e consequentemente aumento da produtividade por hectare”, enfatiza Vinícius.
Após acompanhar o desenvolvimento da tecnologia nas fazendas vizinhas, o produtor Miguel Ângelo Silva Schumacher, que trabalha com mamão há 13 anos em Pinheiros e Montanha, iniciou sua própria experiência com as mudas. Há seis meses Miguel plantou 10 mil mudas sexadas ao lado de uma lavoura de mudas tradicionais plantada 20 dias antes.
“Se você chegar na fazenda hoje e olhar as duas lavouras, lado a lado, é visível a diferença. A cobertura de folha é maior, o pegamento de flor, estrutura de raiz, é tudo diferente. A muda sexada não é o futuro, ela já é o presente”, conta o produtor.
Mas a satisfação de Miguel não se restringe ao visual das plantas em relação às mudas tradicionais. Quando coloca os custos na ponta do lápis, o fruticultor também só enxerga vantagens.
“Hoje a muda sexada custa R$ 14,50, até chegar ao campo e a tradicional em torno de R$ 8, R$ 9. Porém, tenho convicção de 30% a menos de custo com adubação, vou jogar o adubo para apenas uma planta em vez de para cinco. Há, ainda, menos custos com mão de obra para condução da roça, que exige menos cuidado,pois só tenho uma muda para defender. Além disso, não é preciso arrancar muda nenhuma, um processo que machuca a muda que fica na lavoura e menor gasto menos água com irrigação”, destaca.
Após avaliar a produção e durabilidade das plantas, o fruticultor, que já tem mais 48 mil mudas encomendadas para plantar no final de julho, planeja fazer uma análise dos resultados com seus sócios e migrar o cultivo para mudas 100% sexadas.
Fonte: Portal Conexão Safra