Dá para perceber que Peter Fernandez é uma dessas pessoas que gostam de pensar bem antes de falar. Na maioria das vezes são pausas curtas, de cinco segundos. Mas às vezes são longas, bem longas. A mais recente destas foi um período sabático de três anos que culminou em um monastério budista na França. Lá ele chegou à conclusão de que, após ter sido diretor-executivo da 99, a primeira startup nacional a atingir US$ 1 bilhão de valor de mercado, sua próxima atividade produtiva deveria ser ajudar a combater os efeitos das mudanças climáticas.
“Não temos que salvar o planeta, porque o planeta sempre vai dar um jeito de ficar bem, como fez nos últimos bilhões de anos. O que temos que fazer é mitigar o sofrimento humano”, diz. Decidiu fazer isso investindo num projeto tão simples quanto descomunal: reflorestar a Amazônia.
Uma missão dessas, pensou, não daria para encarar sozinho. Foi aí que entrou Gabriel Haddad Silva, que até 2020 havia sido diretor-financeiro do Nubank – outra startup brasileira de estrondoso sucesso.
Além das trajetórias semelhantes, os dois estavam, digamos, no mesmo clima. Nos últimos dez anos, Haddad Silva já vinha recortando todas as notícias que encontrava nos jornais sobre meio ambiente e mudanças climáticas. “Não me apego a setores. Sou empreendedor e gosto de resolver desafios e problemas reais”, diz.
Deste encontro nasceu a Mombak, uma empresa de sequestro de carbono. Seu objetivo é retirar 1 milhão de toneladas de carbono por ano da atmosfera a partir de 2030. O trabalho já começou. Na fazenda Turmalina, localizada no município de Mãe do Rio, nordeste do Pará, as mudas já são plantadas a partir de um detalhado modelo próprio da Mombak, que cruza dados climáticos, informações sobre o solo e os tipos de planta e de adubo a serem utilizados na recuperação da floresta. Com base no diâmetro, na altura e na espécie da árvore, eles calculam quanto carbono cada planta pode absorver (o termo adotado é sequestrar) da atmosfera. Tudo isso é detalhadamente georreferenciado, para garantir escala e comprovação.
Só a fazenda Turmalina, a primeira em atividade das três que a Mombak já definiu que vai operar no Pará, tem 3 mil hectares (ou 30 quilômetros quadrados, o equivalente a 20 parques do Ibirapuera, o mais famoso da cidade de São Paulo). A fazenda havia sido quase completamente desmatada para a pecuária; apenas 10% de sua área é de floresta remanescente.
O trabalho de recuperação envolve o plantio de mudas e a regeneração natural assistida, um método que barateia os custos e amplia as possibilidades de recuperação de áreas verdes. Nos últimos três meses foram plantadas 550 mil mudas em Mãe do Rio. Algumas já chegam a 1,5 metro de altura, com caules duros que começam a formar madeira. Até o final do ano devem ser plantadas outras 450 mil mudas. A meta do projeto é plantar 3 milhões de mudas.
Os problemas (e uma solução?) do mercado
Trata-se do maior projeto de reflorestamento biodiverso da Amazônia, com investimentos de R$ 125 milhões até o momento. Esse montante deve crescer bastante: o fundo da seguradora francesa Axa vai investir US$ 49 milhões na iniciativa; segundo um acordo anunciado em 22 de agosto, a CPP Investments pode investir até US$ 30 milhões; a Fundação Rockefeller anunciou um investimento de US$ 5 milhões no Fundo de Restauração da Amazônia, gerido pela Mombak.
“Soluções baseadas na natureza podem ajudar a reduzir um terço das emissões necessárias até o fim da década, mas ainda são profundamente subfinanciadas, com uma lacuna estimada em US$ 700 milhões ao ano”, diz Maria Kozloski, vice-presidente sênior de inovação financeira na fundação.
A iniciativa tem o intuito de ajudar o meio ambiente, mas é também um negócio. O retorno estimado para os investidores é de 15%, com cada tonelada de carbono removido do ar custando acima de US$ 50. A Mombak está em negociações com um grupo formado por entre cinco e dez empresas americanas e europeias de grande porte, que devem ser as primeiras clientes.
O mercado de carbono nasceu no final do milênio passado, com o Protocolo de Kyoto, de 1997. A ideia é simples: empresas que não conseguem zerar suas emissões de poluentes poderiam pagar uma compensação, ajudando iniciativas que reduzam emissões em outro lugar.
A implementação, no entanto, tem deixado muito a desejar. Basicamente, por três motivos: a) a dificuldade de comprovar que os projetos de captura de carbono são “adicionais”, ou seja, se eles não existissem haveria mais emissões; b) falta de transparência e corrupção – uma série de reportagens publicadas pelo jornal The Guardian, por exemplo, concluiu que 90% dos créditos atestados por uma certificadora internacional não valiam nada – ou por estarem em áreas já protegidas legalmente ou por não provarem que tal área seria desmatada no futuro; c) efeitos colaterais da própria criação de um mercado: algumas entidades conservacionistas dizem que ele serve como desculpa para grandes empresas não adotarem práticas menos poluentes, além de certas atividades passíveis de fornecer créditos de carbono terem outros impactos climáticos negativos.
Dada a lentidão, a burocracia e as falhas dos mercados oficiais de carbono – o Brasil ainda nem regulamentou o seu sistema –, muitas empresas têm recorrido ao mercado voluntário. Este tem ainda menos transparência. Basta dizer que o preço da tonelada de dióxido de carbono retirada da atmosfera, de acordo com um relatório de agosto do banco britânico Barclays, caiu para apenas US$ 2, em oposição aos mais de US$ 100 no sistema da União Europeia, que tem padrões mais rígidos.
Em vez de defender os mercados de carbono das críticas de ambientalistas, Peter Fernandez concorda com elas. Exatamente por essas preocupações, afirma, a Mombak não participa do mercado de emissão evitada. O foco é plantar. Primeiro porque as emissões evitadas são difíceis de comprovar. Mas também porque “evitar emissões contendo o desmatamento é importante, mas já não é suficiente”, afirma. “Precisamos retirar carbono da atmosfera. Estou apostando no futuro que eu gostaria de ver. E a remoção de carbono é cara. Não tem jeito. Gastamos séculos jogando CO2 na atmosfera, e agora vamos ficar mais séculos retirando-o.”
Como ainda não há regulamentação nem teto máximo de emissões definido por lei no Brasil, os projetos aqui estão todos no mercado voluntário, alimentado por empresas desejosas de dar satisfação aos investidores e à sociedade em geral. Os dois sócios acreditam que podem contribuir para elevar o nível de seriedade dessas transações.
“Um crédito de carbono bom se baseia na qualidade das informações geradas sobre ele, mostrando em tempo real como está o crescimento deste projeto para mostrar aos clientes o que eles estão comprando. E estamos caminhando para liderar este movimento”, diz Haddad Silva.
Reflorestamento de precisão
Além de mais transparência, a Mombak persegue a eficiência. “Somos obcecados com dados, modelagens e algoritmos. Nós os criamos, e as nossas decisões são baseadas neles. Tomamos decisões de metodologia e espécies, sempre focando na captura por hectare com menor custo. Isso traz eficiência. Percebemos que é um mercado com poucas informações, pois nunca ninguém fez reflorestamento com espécies nativas em grande escala. A ideia é alimentar nosso modelo com os dados do trabalho que já iniciamos, criando novos algoritmos e melhorando o desempenho.”
O trabalho da Mombak gira em torno de três tecnologias: digital, socioeconômica e florestal. Desde que a empresa foi idealizada, em 2021, dezenas de fazendas foram visitadas e avaliadas. O objetivo era garantir que o plantio ocorresse em uma área de alto potencial de remoção de carbono. Quando o martelo foi batido sobre a aquisição da fazenda Turmalina, seus 11 funcionários foram aproveitados. Hoje, 50 pessoas estão envolvidas no projeto, todas com carteira assinada, algo incomum no interior da Amazônia. A economia circular do projeto abarca ainda repasses em impostos para o município de Mãe do Rio, que possui pouco mais de 34 mil habitantes, além da compra de mudas de viveiros especializados.
O modelo também aposta fortemente na combinação entre plantio de mudas e regeneração natural assistida. As mudas de espécies nativas amazônicas são consorciadas com outras espécies de crescimento rápido, que aceleram o processo de sombreamento, circulação de animais e recuperação de solo (pela liberação de nutrientes e dispersão de sementes). A plantação é feita em colunas com separação de 3,50 metros, e em cada coluna as árvores terão espaçamento de 1,70 metro – distância suficiente para se desenvolverem bem.
Outro desafio foi conversar com a vizinhança, numa área há décadas marcada pela derrubada de árvores. Além de uma parceria com o Instituto Peabiru, a Mombak realizou escutas ativas para entender os desafios da região. Há ainda um plano para a criação de um grupo de brigadistas e capacitações voltadas para a bioeconomia e assistência técnica rural, à medida que a floresta for tomando uma forma mais robusta.
Para crescer, os sócios pretendem buscar parcerias com latifundiários. As fazendas precisam ter, por lei, um percentual de mata nativa em pé entre 50% e 80%. Para cumprir a obrigação, os fazendeiros precisam abrir mão de áreas produtivas para garantir a regeneração ou realizar o reflorestamento, um processo custoso. A proposta da Mombak é transformar essas áreas em máquinas de créditos de carbono, com divisão de lucros: o fazendeiro não gasta nada para se adequar e a empresa economiza na aquisição de terras. Um fazendeiro já concordou e um segundo está em negociação, dizem Fernandez e Haddad Silva.
Todas essas iniciativas estão alinhadas com o propósito da Mombak, cujo nome significa “fazer acordar”, em tupi-guarani. É um chamado que, espera-se, o Brasil como nação também possa seguir. O governo concluiu em julho deste ano uma proposta de regulamentação do mercado e espera que ela seja aprovada pelo Congresso antes da COP-30, a conferência da ONU sobre mudanças climáticas prevista para 2025 em Belém do Pará. De acordo com um estudo da consultoria McKinsey, o país tem condições de gerar até R$ 26 bilhões por ano em créditos de carbono. E os projetos florestais voltados para a prática, especialmente no norte do país, podem criar 1,5 milhão de vagas de emprego até 2030.
“Nossa ambição é continuar liderando, construindo esse mercado. Temos a oportunidade de definir o que é integridade e qualidade em sequestro de carbono”, diz Fernandez. “Estou muito empolgado com os sinais que vejo de que essa indústria será gigantesca.”
Um projeto de des-desmatamento
Os números da Turmalina, a primeira das 3 fazendas da Mombak no Pará
Área: 3 mil hectares (30 km²)
– As árvores são plantadas em colunas, com distância de 3,50 metros
– Dentro das colunas, há uma árvore a cada 1,70 metro
Os tipos de planta:
– Nativas
– Árvores de crescimento rápido, que ajudam a recuperar o solo, fornecem sombreamento e promovem a circulação de animais em menos tempo.
Por: epocanegocios.globo.com
Foto: Pixabay